NOS ÚLTIMOS TEMPOS, UM GRANDE ESFORÇO DE INVESTIGAÇÃO TEM SIDO DEDICADO AO PERÍODO DE TRANSIÇÃO, EMBORA AINDA HAJA UM LONGO CAMINHO A PERCORRER. INVESTIR NESTA FASE TRARÁ BENEFÍCIOS EXTRAORDINÁRIOS, EVITANDO PROBLEMAS DE SAÚDE NOS ANIMAIS, LEVANDO A UMA MENOR REPOSIÇÃO E A UMA MAIOR PRODUÇÃO DE LEITE NA LACTAÇÃO SEGUINTE. Por Javier Lopez, Kemin
Um dos inconvenientes que encontramos nas explorações ao implementar uma estratégia alimentar correta no período de transição é a dimensão das explorações que, em muitos casos não sendo suficientemente grande, dificulta a criação de lotes adequados.
Período pré-parto
Este período começa 21 dias antes do parto e prolonga-se até ao dia do parto. Nesta fase, o nosso principal objetivo é preparar a vaca para enfrentar a próxima lactação, preservando a saúde do animal e conseguindo a maior produção na lactação seguinte. Através da nutrição, podemos influenciar decisivamente a concretização destes objetivos. Pelo contrário, se não fizermos um plano alimentar adequado, ocorrerão patologias na altura do parto, um elevado número de vacas abandonarão a exploração por doença no início da lactação e não alcançaremos os melhores resultados produtivos na lactação que se inicia. Neste período vamos concentrar-nos em três secções DCAD (Diferença catião-anião da dieta) e balanço proteico e energético negativo e saúde hepática.
BALANÇO DCAD
No período pré-parto é muito importante formular dietas que ajudem a evitar a hipocalcemia no pós-parto. Para implementar esta estratégia, o mais comum é equilibrar dietas com DCAD negativo.
Benefícios de usar uma dieta com DCAD negativo
Nos últimos anos, foram publicados vários trabalhos sobre os benefícios da formulação de dietas acidogénicas no pré-parto. Numa meta-análise (Santos et al, 2018) concluiu- -se que vacas multíparas com dietas acidogénicas produzem mais leite, gordura e proteína do que vacas que receberam dietas com DCAD positivo no pré-parto (Tabela 1).
Recomendações práticas ao trabalhar com uma dieta com DCAD negativo
Quando queremos implementar uma dieta com DCAD negativo, devemos ter em conta algumas recomendações, tanto ao nível do maneio como da formulação.
O objetivo DCAD nas dietas peri-parto deve estar entre -50 e -150 mEq/kg, calculado pela equação DCAD= (mEq K + mEq Na) –(mEq Cl + mEq S). Este valor não é um número “mágico”, mas sabe-se que valores neste intervalo reduzem drasticamente a febre do leite, a hipocalcemia subclínica, a retenção de placenta, a metrite e melhoram a produção de leite.
Porém, formular uma dieta negativa para DCAD sem monitorizar o IMS (Ingestão de matéria-seca) e o pH urinário pode ser inútil. Se tivermos uma dieta com DCAD -100 mEq/kg e as vacas tiverem uma IMS de 10 kg, teremos um DCAD de -1000 mEq/ dia, enquanto se tivermos um DCAD de -75 mEq/kg e uma IMS de 14 kg teremos um DCAD diário inferior ao anterior (-1050 mEq/dia).
Devemos analisar os ingredientes (especialmente as forragens) com métodos analíticos exatos (os NIR não têm precisão para medir minerais), e não devemos usar valores tabelados. Se não tivermos dados exatos sobre os ingredientes, poderemos ter desvios no DCAD em relação ao formuladode até 80 mEq/kg. Este ponto é importante, já que se não tivermos dados exatos, podemos encontrar resultados inesperados.
Se tivermos um DCAD inferior, poderemos ter uma ingestão diminuída.
Para além dos valores de DCAD, devemos ter em conta os níveis de Ca e P na dieta.
• As recomendações de Ca nas dietas pré-parto estão entre 0,9 e 1% sobre a MS em dietas não acidificadas e 1,4-1,5% em dietas acidificadas (Overton, comunicação pessoal). Existe um debate sobre a conveniência de aumentar o nível de cálcio em dietas acidificadas.
• O nível de fósforo não deve ultrapassar 0,25%, pois níveis mais elevados podem predispor à hipocalcemia (Lean et al., 2006). Isto porque o aumento das concentrações sanguíneas de P é inicialmente controlado através do PTH. Além disso, o fator de crescimento de fibroblastos 23 (FGF23) produzido por osteócitos e osteoblastos regula a concentração de P no sangue (Bergwitz e Jüppner, 2010). Em concentrações elevadas de P no sangue, a expressão de FGF23 é regulada positivamente, o que ajuda a aumentar a perda de P na urina para manter o P no sangue num intervalo estreito. No entanto, o FGF23 suprime a atividade da 1-α hidroxilase nos rins, a principal enzima responsável pela síntese da vitamina D3 ativa. Portanto, se o fosfato no sangue aumentar devido à sobre-alimentação de P, as concentrações circulantes de 1,25(OH)2 vitamina D3 diminuem, o que pode resultar em hipocalcemia (Bergwitz e Jüppner, 2010).
• Outro nutriente a ter em conta é o magnésio. O magnésio é importante não apenas para prevenir a hipo-magnesémia, mas também para melhorar a capacidade da vaca de mobilizar Ca do osso quando estimulada por PTH. O magnésio está envolvido no sistema de segundo mensageiro do PTH e o baixo nível de Mg no sangue afeta a reabsorção de Ca (Robson et al., 2004). Não está claro qual deveria ser o teor ideal de Mg na dieta, mas a maioria das recomendações gira em torno de 0,40 a 0,45% da MS.
Outra secção importante para monitorizar a dieta pré-parto é a análise dos dados patológicos. Por exemplo, a incidência de febre do leite em vacas com 2 ou mais partos deve ser <2%. Devemos também analisar a incidência de outras patologias (retenção de placenta, entre outras).
Devemos tentar utilizar produtos acidogénicos que não penalizem a ingestão de matéria seca, pois, se a própria acidificação já reduz a IMS, se utilizarmos um produto “pouco palatável” isto irá agravar-se. Devemos também ter em mente que estes tipos de produtos têm um manuseio complicado, pois são “higroscópicos”.
Monitorização do pH da urina
As vacas monitorizadas devem estar em dieta acidificante há, pelo menos, dois dias. É aconselhável colher amostras de urina duas vezes por semana. O valor alvo para todas as vacas deve estar entre 5,0 – 7,0, com um valor médio ideal de 6,0 – 6,2. Se encontrarmos valores muito diferentes, devemos procurar a razão, que pode ser a sobrelotação, má qualidade da mistura da dieta, diferença na ingestão entre vacas, padrões alimentares dos animais, micção antes da colheita da amostra, padrões de consumo de água, entre outras.
NUTRIÇÃO DE PROTEÍNAS E AMINOÁCIDOS
Uma nutrição proteica adequada é essencial nesta fase para alcançar resultados produtivos ideais na lactação seguinte. As necessidades de proteína metabolizável (PM) para vacas multíparas secas foram estimadas em, aproximadamente, 800 g/d (Husnain e Santos, 2019, Nasem, 2021). As exigências da fase seca inicial não são suficientes na fase pré-parto em que aumentam drasticamente devido ao crescimento fetal, ao desenvolvimento mamário e à síntese de colostro. Vários autores relataram uma resposta positiva na produção de leite durante o início da lactação, ao suplementar com metionina e lisina (Zhou et al. 2016, Batistel et al., 2017, Fehlberg et al., 2020) ou aumentar a oferta total de PM préparto (Farahani et al. , 2017, Farahani et al., 2019). A produção de leite durante as três primeiras semanas de lactação aumentou 3,4 ± 0,9 kg/d quando a oferta de PM préparto passou de 849 para 1200 g/d (Tabela 2).
Recomendações na fase pré-parto
– Proteína metabolizável: >1200g/dia
– Metionina metabolizável: 35g/dia
– Lisina metabolizável: 90g/dia
COLINA
Outro aspeto importante em que nos devemos focar na fase de transição é a função hepática. Através da nutrição podemos influenciar positivamente este aspeto.
Benefícios da suplementação com colina protegida
Para avaliar os resultados produtivos da suplementação com colina, tomaremos como referência uma meta-análise completa realizada por Arshad (2020) na qual são avaliados diferentes aspetos. Nesta meta-análise foram avaliados 21 experiências, com 66 tratamentos e 1313 vacas antes do parto. A suplementação média de colina no pré-parto foi de 22±6,0 dias, e no pós-parto foi de 57,5±42,2 dias. Nas tabelas 3 e 4 apresentam-se os resultados de uma meta-análise de (Arshad et al., 2020).
Resultados semelhantes foram obtidos numa revisão de 14 estudos (Zenobi et al., 2018) nos quais foi calculado um aumentomédio de 2 kg de leite por dia quando se utilizou colina.
Embora normalmente associemos o uso de colina a vacas com condição corporal elevada, Lima et al. (2017) observaram um aumento na produção independente da condição corporal no momento do parto. Estes efeitos de incremento na produção de leite mantêm-se durante toda a lactação, mesmo que a colina seja suplementada apenas até três semanas após o parto. Zenobi et al. (2018) e Bollati et al. (2019) observaram mais de 2 kg/dia de leite corrigido para energia nos primeiros 105 dias de lactação, quando a colina foi suplementada apenas até à terceira semana.
Efeitos da colina na saúde pós-parto
Um dos maiores desafios no período de transição é o balanço energético negativo. Nesse período, ocorre uma grande mobilização de lípidos que, se em excesso, pode levar à cetose e ao fígado gordo. Lima et al. (2007) realizaram uma experiência para avaliar o efeito da colina protegida do rúmen, fornecida durante o período de transição, na incidência de distúrbios de saúde, lactação e reprodução de vacas leiteiras. Na primeira experiência, 362 vacas Holstein receberam tratamentos aos 253 dias de gestação, e esses tratamentos continuaram até aos 80 dias de lactação. As dietas foram exatamente as mesmas, com a exceção de que o grupo de tratamento recebeu 15g/dia na forma de colina protegida no rúmen. Nesta experiência, a alimentação com colina protegida no rúmen, antes e depois do parto, reduziu a incidência de cetose clínica e subclínica, e a proporção de vacas com cetonúria (Tabela 5).
CONCLUSÃO
Se quisermos ter uma transição bem sucedida para a próxima lactação, tanto em termos de saúde animal como de maximização da produção, devemos ter em conta estes três aspetos. É muito importante satisfazer as necessidades de proteína metabolizável, metionina e lisina, uma vez que cada um destes aminoácidos tem funções particulares ao nível do fígado, metabolismo energético, etc. Também é importante preparar a vaca para as necessidades de cálcio, que aumentarão drasticamente perto do parto, e para garantir uma boa saúde do fígado que é fundamental para o metabolismo energético.