Por Joana Silva, Médica Veterinária | Fontes Rabobank, The Dairy News, USDA
O novo ano chegou. Será que, com ele, chegou uma nova vida também ao setor leiteiro? É o que vamos ver.
2023 foi um ano pouco estimulante para o crescimento do setor. Apesar dos sinais positivos durante parte do ano, os altos custos de produção, o baixo preço do leite e a instabilidade climatérica colocaram um forte travão na produção leiteira. O apetite dos mercados chineses também ficou aquém do expectável, o que não contribuiu em nada para levantar a moral do setor.
Mas o caminho faz-se para a frente e, olhando para 2024, as previsões do Rabobank indicam que o pior poderá mesmo já ter passado, e que neste ano irá assistir-se a uma nova fase para o setor, com um fortalecimento dos preços a par de uma produção algo vagarosa. Num verdadeiro jogo de malabarismo, o setor leiteiro terá ainda de lidar com inflações desconfortáveis, o aumento generalizado do custo de vida e do desemprego em algumas economias, bem como com o cenário atual de instabilidade geopolítica e volatilidade dos mercados da energia. Em resumo: a única certeza é que não existem certezas…
Ainda assim, já temos algumas perspetivas mais concretas de como poderá correr o ano para os principais exportadores de leite (Figura 1).
Na União Europeia, as previsões da USDA apontam para uma redução de volumes de cerca de 200 mil toneladas face às estimativas de fecho de 2023, com um total de 144,6 milhões de toneladas de leite produzidas versus 144,8 milhões de toneladas em 2023. O ligeiro aumento da produtividade das vacas leiteiras não consegue colmatar a diminuição do tamanho dos efetivos. A pressão faz-se sentir essencialmente sobre produtores de menor dimensão em países como a Alemanha, França, Polónia e Espanha. Operadores de maior dimensão estarão mais bem preparados para lidar com a volatilidade dos mercados. Além disso, o seu maior poder negocial com os processadores de leite poderá trazer-lhes alguma confiança, e será graças a eles que a balança europeia deverá ficar em linha com o ano passado. A par dos custos de produção, a crescente legislação a nível ambiental é hoje em dia igualmente importante para a viabilidade da produção.
Também na Nova Zelândia se prevê um abrandamento residual da produção em 2024, totalizando-se 21,2 milhões de toneladas. Este abrandamento dever-se-á em grande parte aos impactos do fenómeno climático El Niño – que promete trazer consigo tempo de seca – ao aumento da inflação, aos crescentes custos de produção e à redução dos efetivos.
Já na vizinha Austrália o cenário para 2024 parece ser mais favorável, com um aumento previsto de 1% face a 2023. Depois de três anos em que se assistiu a uma transferência de várias explorações para a produção de carne, a qual exigia menos meios humanos e propiciava um maior controlo de custos, a queda dos preços da carne parece estar a trazer um novo fôlego ao setor leiteiro. A tendência contrastante de fortalecimento dos preços pagos ao produtor também deverá impulsionar o setor. Ao contrário da Nova Zelândia, que exporta cerca de 90% da sua produção leiteira, a Austrália consome internamente 65% da sua produção, o que torna os produtores menos suscetíveis à pressão de preços baixos a nível internacional.
Do outro lado do oceano, também os Estados Unidos deverão ter um modesto crescimento da produção, na ordem dos 1%, em 2024, impulsionado maioritariamente pela procura de produtos desnatados na segunda metade do ano. Até lá, o crescimento deverá ser refreado pelo enfraquecimento dos preços de produtos como a proteína whey.
Marcadamente negativo deverá ser o cenário na Argentina, onde a desvalorização monetária e o aumento dos custos de produção deverão, pelo segundo ano consecutivo, levar a uma quebra nos volumes produzidos na casa dos 2%.
Após dois anos com retração das importações, aponta-se para que a balança chinesa fique em linha com o ano passado, o que poderá permitir a outros importadores reforçarem os seus stocks. O abrandamento das importações ao qual se tem vindo a assistir deveu-se em parte à aplicação estatal de subsídios para equilibrar o mercado de processamento do excedente leiteiro, o que levou a uma diminuição das compras de leite em pó que afetou principalmente a Nova Zelândia e os Estados Unidos. Tendo em conta que a China não produz volumes significativos de produtos de valor acrescentado como queijo e manteiga, o leite em pó é geralmente o destino final do excedente leiteiro.
Falando-se de queijo, prevê-se que 2024 seja um ano…queijeiro. Já em 2023 se assistiu a um aumento global da produção de queijo na casa dos 6%, em paralelo com uma maior resistência de preços. Este aumento, no entanto, não foi transversal a todos os tipos de queijo. No caso do mais banal (mas não menos delicioso) cheddar, o aumento foi de apenas 3%, o que pode indicar uma aposta na produção e exportação de queijos mais diferenciadores. Para 2024 o cenário parece manter-se positivo. Na Europa, impulsionado pela gradual recuperação económica e pelo turismo, o mercado queijeiro deverá registar uma ligeira aceleração. Os Estados Unidos deverão apresentar um aumento 2% na produção, atingindo as 6,5 milhões de toneladas e, na Nova Zelândia, o aumento deverá ser na ordem dos 7%, quantificando-se em quatrocentas mil toneladas. Mercados importadores como o Japão, a China, a Coreia do Norte e as Filipinas também se deverão mostrar bastante dinâmicos nas suas compras.
Terminada a nossa volta – em tempo recorde – pelo mundo global do setor leiteiro, a falta de certezas sobre o que 2024 nos trará gera certamente um nível de stress capaz de tirar o sono a qualquer um… “Stress” vai continuar a ser uma das palavras mais representativas deste ano, uma vez que é um dos maiores inimigos do bem-estar da população mundial. Mas…e se vos disser que um dos grandes meios para combater esta pandemia nos é bem conhecido? Pois é, estamos a falar do leite que, desde há várias gerações, é visto como um adjuvante de noites bem dormidas e vidas calmas. Estes benefícios são hoje suportados pela ciência: o triptofano, percursor da serotonina e melatonina, relaxa o nosso cérebro e promove um sono mais descansado. Sabe-se hoje que o leite recolhido durante a noite é especialmente rico nesta substância. As vitaminas B e D, também presentes no leite, ajudam a manter os níveis de serotonina. Já a proteína e os fosfolípidos do leite ajudam a diminuir os níveis de stress e também melhoram a qualidade do sono.
Por isso, da próxima vez que tiverem de lidar com stress (vosso ou dos outros), já sabem, um copo de leite vai fazer maravilhas. A vocês e ao sector.
Tchim-tchim e Bom Ano.