Por: Michelle Harvey. A autora é terapeuta nutricional e health food chef. O seu foco são as dietas não-restritivas, os alimentos integrais e a reabilitação dos conhecimentos ancestrais como guia para o bem-estar. Pode segui-la em: michellechristineharvey@gmail.com | Instagram.com/michelleharvey
O Dilema do Omnívoro paira sobre o Homem, desde o início dos tempos. Então, para ter o que comer, o homem tinha que ir à caça ou arriscar alimentar-se de alguns cogumelos que apareciam, esperando que não fossem letalmente venenosos. Agora, que a comida é abundante quase em toda a parte (muitas vezes até em demasia), o dilema é outro: a otimização da nutrição. Estamos cada vez mais preocupados em saber quais os alimentos mais indicados para nós e, além disso, quais os que têm menos efeitos nefastos para o meio-ambiente.
Torna-se cada vez mais importante que os agricultores, e outros produtores do setor agropecuário, estejam informados sobre estas temáticas. A nós, cabe esforçarmo–nos por saciar tanto a curiosidade de saber do leitor, como o seu apetite. Assim, espero que esta coluna ajude a atingir esses objetivos no domínio da nutrição. Quais os benefícios de comer carne, órgãos, caldo de ossos, ovos ou laticínios?
Muitas vezes, não é a quantidade de um nutriente que é ingerido que importa, mas sim a forma em que ele se apresenta, existindo tipos diferentes do mesmo nutriente, consoante a sua proveniência. Existem também co-enzimas e co-fatores que nos ajudam a absorver os nutrientes. Estes funcionam como “companheiros” que ajudam o nutriente a ser melhor absorvido pelo organismo. Existem, por outro lado, toxinas vegetais que atrapalham a absorção de alguns nutrientes. São fitatos, oxalatos e lecitinas. Estas toxinas são produzidas pelas plantas como mecanismo de defesa, já que as plantas (ao contrário dos animais) não possuem meios de defesa física muito desenvolvidos. Servem para dissuadir os insetos, e outros animais, de as consumirem. Assim, as plantas podem ter um efeito negativo de “anti-nutriente” na nossa alimentação.
Alguns exemplos de nutrientes importantes para nós, são:
– o zinco: muitas plantas que contêm zinco também contêm fitatos que inibem a absorção do zinco. A dieta vegetariana, tendencialmente, reduz a absorção do zinco em 35%, comparativamente com a dieta omnívora. Logo, mesmo que o seu aporte diário iguale ou ultrapasse a dose diária recomendada, a deficiência pode, ainda assim, ocorrer. Um estudo sugere que, por esta razão, os vegetarianos possam requerer até mais 50% de zinco do que os omnivoros;
– o cálcio: a biodisponibilidade do cálcio presente em alimentos de origem vegetal vê-se afetada pelos teores de oxalato e fitato, que são inibidores da absorção de cálcio. Os fitatos formam complexos com minerais no nosso aparelho digestivo, impedindo-os de serem absorvidos. Um estudo refere que é necessário o equivalente a 33 copos de folhas de espinafre, para obter a mesma quantidade de cálcio biodisponível em 1 copo de leite.
– o ferro-heme: a biodisponibilidade de ferro-heme é muito maior em produtos animais do que em produtos vegetais. A forma vegetal de ferro-heme é também inibida por outros tipos de alimentos muito comuns, como café, chá, laticínios e suplementos de fibra e cálcio;
– a vitamina A: a ideia de que os alimentos contêm vitamina A é uma noção errada muito comum. As plantas contêm beta-caroteno, o precursor da vitamina A (retinol). Porém, apesar de estas substâncias serem convertidas uma na outra no corpo humano, a conversão é muito ineficiente. Por exemplo, uma dose de fígado por semana preenche os requisitos de vitamina A, enquanto que são necessárias 2 xícaras de cenouras, 2 xícaras de couve kale ou 1 xícara de batata doce, por dia, para trazer o mesmo aporte de vitamina A;
– a vitamina B12: é um mito muito frequente, entre vegetarianos e vegans, ser possível obter B12 a partir de fontes vegetais, como algas (nomeadamente espirulina), soja fermentada, e levedura de cerveja. Estes alimentos contêm, sim, cobamidas, que são análogos da vitamina B12. Isto explica porque é que estudos apontam para que 77% dos vegetarianos, e 92% dos vegans, tenham deficiência nesta vitamina, comparativamente com apenas 11% dos omnívoros.
– os ácidos-gordos: as plantas contêm ácido linoleico (um omega-6) e ácido alfa-linoleico (um omega-3), ambos considerados essenciais; ou seja, não podem ser sintetizados no corpo humano, devendo ser, necessariamente, obtidos da dieta. Contudo, cada vez mais estudos apontam para os benefícios dos ácidos gordos omega-3 de cadeia longa, como o EPA e o DHA que se encontram em altas concentrações em peixes como as sardinhas. Estes ácidos gordos têm um papel terapêutico e protetor em várias doenças. Embora algum ácido alfa-linoleico possa ser convertido em EPA e DHA, essa conversão é muito escassa em humanos: entre 5% e 10% para o EPA, e 2% a 5% para o DHA.
Espero que estes exemplos sirvam para mostrar como a espécie humana necessita de obter os seus nutrientes tanto de fontes vegetais, como animais. Sendo que, no caso de alguns nutrientes específicos, é mais eficiente adquiri-los exclusivamente a partir de produtos animais.