Autor: Deolinda Silva (Diretora Serviços Técnicos Ruminantes – HIPRA Portugal)
A Síndrome Respiratória Bovina (SRB) é a causa mais comum de doença e de morte no gado bovino, sendo especialmente crítica em idades precoces. Assim, tem um impacto relevante, não só em termos do bem-estar animal, como a nível económico nas nossas explorações.
É designada como síndrome ou complexo respiratório bovino porque são vários os agentes que têm um papel no desenvolvimento desta doença multifatorial. Implica tanto os agentes patogénicos, como o vitelo (estado imunitário, colostro, nutrição, etc.), e o ambiente (alterações de temperatura, agrupamento de animais, stresse, etc.). Infelizmente, a síndrome respiratória não é exclusiva dos bovinos. Ocorre igualmente noutras espécies de produção, como os ovinos, os suínos, as aves ou os coelhos, onde a situação é muito similar: vírus, bactérias (Pasteurellaceae), e micoplasmas têm um papel muito relevante.
Os tratamentos chegam tarde, há que prevenir!
Em qualquer caso, quando se detetam animais com sintomas de SRB, o tratamento é consensual. Pode incluir antibióticos, cujo objetivo é eliminar bactérias e micoplasmas, já que não são efetivos frente a vírus; e anti-inflamatórios, para aliviar a sintomatologia. Apesar disto, quando se define o tratamento, pode-se considerar que já é demasiado tarde, pois os danos pulmonares já se podem ter verificado e as capacidades produtivas desse animal podem já ter ficado comprometidas, tanto a curto, como a longo prazo. A prevenção é a chave para melhorar o bem-estar animal, cumprir com as novas legislações que pressionam no sentido de uma redução no uso de antibióticos, e, acima de tudo, para minimizar os custos decorrentes da SRB.
São vários os estudos que evidenciam a importância da prevenção, especialmente nas engordas. Num ensaio levado a cabo com mais de 2000 vitelos, entre 55 e 67% dos animais tratados para doença respiratória apresentavam lesões pulmonares no matadouro, apesar do tratamento. É claro que o uso de antibióticos reduziu as perdas económicas potenciais, contudo, não se restaurou o crescimento dos animais tratados, comparado com o grupo dos animais saudáveis e nunca tratados. Num outro estudo com quase 6000 animais, 74% dos vitelos tratados frente à SRB apresentava lesões pulmonares no matadouro. Saliente-se que nos protocolos vacinais em ambos os casos, apenas se incluíam vacinas virais e, portanto, a prevenção frente à pasteurelose era incompleta.
Lote de animais à engorda
Apenas 50% dos animais com SRB apresenta sintomas respiratórios
Embora este dado por si só já seja preocupante, nem só os animais tratados frente a SRB desenvolvem lesões pulmonares. Nesses mesmos estudos, entre 39 e 61% dos animais não tratados, apresentavam também lesões pulmonares. Tal pode ser explicado de duas maneiras: ou o dano pulmonar era anterior à entrada na engorda, ou nem todos os casos foram detetados (casos subclínicos). Contudo, estima-se que no melhor dos casos, apenas 50% dos animais com SRB apresenta sintomas respiratórios. Dito de outro modo, pelo menos o dobro dos animais que tratamos sofre de doença respiratórias apesar de não o detetarmos clinicamente, embora desenvolvam lesões pulmonares.
Recordemos que, na natureza, os bovinos são presas e devem ocultar as suas debilidades para não serem vistos como um alvo fácil pelo seu predador. Não obstante, o desenvolvimento de lesões pulmonares nestes animais tem um impacto no seu rendimento produtivo, o que leva a um menor retorno económico.
A incidência total de doença respiratória nas engordas, considerando os casos clínicos e subclínicos, é de 52 a 64%. O número de animais tratados varia entre explorações, anos, lotes, programa vacinal, etc., mas estima-se que de 15 a 45% dos vitelos que entram na engorda, apresentarão sintomas respiratórios e serão tratados individualmente.
Quanto aos programas vacinais, parece importante não só abrangerem os agentes patogénicos adequados, como também considerarem o momento adequado da vacinação. São observados nos primeiros 55 dias de engorda 80% dos casos de SRB, e assim adiar a vacinação não parece ser a melhor opção. Num estudo com mais de 12 000 vitelos, nos animais vacinados na origem com um programa vacinal que incluía os quatro vírus “mais importantes” (BRSV, IBR, BVD e PI3), juntamente com duas pasteurelas (M. haemolytica e H. somni), a incidência de SRB foi significativamente reduzida, se compararmos com animais vacinados à chegada à engorda. Se os animais foram vacinados na origem, trataram-se menos 12% (23% de tratamentos frente a 11%), e até 20% menos de animais se também tinham sido desmamados na origem (23% frente a 2,9%, se vacinados e desmamados anteriormente).
O papel dos vírus e bactérias
O papel dos vírus dentro da SRB parece claro, atuando na maioria dos casos como iniciadores da doença, sendo responsáveis por surtos “explosivos”. Contudo, entre os vírus, apenas o sincicial (BRSV) provoca lesões pulmonares sem necessidade de intervenção bacteriana. Já as pasteurelas (M. haemolytica, H. somni, P. multocida), para além de poderem iniciar a doença por si mesmas, são em maior medida as responsáveis pelos danos pulmonares. Daí a importância de incluir tanto vírus, como as pasteurelas no programa vacinal, a fim de reduzir o impacto económico da SRB nas nossas explorações. Recorde-se que estas bactérias são comensais nas vias aéreas superiores do gado bovino e, por conseguinte, existe sempre o risco de que se multipliquem perante a sua existência e fatores predisponentes (vírus, stresse, alterações de temperatura, mistura de animais, etc.).
O impacto económico da Síndrome Respiratória
As carcaças de vitelos que apresentam lesões pulmonares no matadouro têm um peso menor, uma pior conformação (qualidade da carcaça), e os animais chegam a passar mais tempo na exploração (maior nº de dias à engorda), o que se traduz em custos a longo prazo. Em animais que sofrem de SRB durante o primeiro mês na engorda, o ganho médio diário pode reduzir-se em 370 g/dia durante esse período. Embora possa depois existir um crescimento compensatório, não se restaurará o crescimento normal, comparado com outros animais do lote. Deste modo, o ganho médio diário de animais com lesões pulmonares visíveis em matadouro é reduzido em 70-90 g/dia, comparado com vitelos sãos. Num sistema de engorda, com uma duração standard de 6 a 9 meses, pode-se pressupor mais de 16,5Kg a 24 kg de diferença entre um animal saudável e um com lesões pulmonares, respetivamente.
Lote com animais com patologia respiratória crónica e atraso de crescimento
Somado a isto, outro custo a considerar são os dias extra que passam na engorda se padecem de SRB. Tal pode implicar 5,5 dias a mais até ao abate a cada quatro meses e meio na engorda. Atrasar o abate destes animais, para além do custo na alimentação, mão-de-obra, etc., implica um custo de oportunidade, já que durante esses dias, novos vitelos poderiam estar a ser introduzidos, e como resultado teremos menos vitelos acabados por ano.
É claro que quando tratamos um animal por SRB, observamos o seu impacto a curto prazo de uma forma muito óbvia: custo do tratamento, mão-de-obra, menor ingestão, mortalidade, frustração, etc. Não obstante, por vezes não é tão evidente o impacto no retorno económico a longo prazo, podendo ser considerado mais grave do que o impacto a curto prazo: menor peso, pior classificação da carcaça e maior tempo de engorda. Na tabela 1, pode-se ver uma estimativa do custo da SRB, tomando como referência os dados mencionados anteriormente.
Tabela 1. Custo estimado da síndrome respiratória bovina num lote de 100 vitelos de engorda, vacinados apenas frente a vírus (BRSV, IBR, BVD e PI3).
CUSTO | CÁLCULO | €/ANIMAL NO LOTE |
Redução do Ganho Médio Diário em 52% animais (clínico + subclínico), 90g/dia, 9 meses (275 dias) na engorda, 2,30€/kg peso vivo | 90g/d x 275d x 2,30€/kgPV = 56,93€/vitelo com lesões
x 52 afetados/100 totais |
29,60€/animal no lote |
Custo de tratar 20 vitelos com sintomas de SRB
(Antibiótico + Anti-inflamatório, duas doses) + custo veterinário (1 visita). Mão-de-obra não incluída. |
20 x 4€/animal de 250kg =
80€ 80€ + 35€ = 115€ |
1,15€/animal no lote |
Mortalidade (2%) a 700€ (preço de compra)
|
700€ x 2mortos/100 totais | 14€/animal no lote |
Custo perda de qualidade carcaça:
E3 frente a U3 numa carcaça de 320kg, assumindo que pelo menos metade dos vitelos tratados baixaria de categoria (10 vitelos) e excluindo subclínicos |
E3: 320kg x 4,09€/kg = 1.309€
U3: 320kg x 3,93€/kg = 1.258€ Diferença: 51€ 51€ x 10 tratados/100 |
5,10€/animal no lote |
Custo 11 dias mais na engorda com um custo de 1,60€/dia (alimento, instalações, etc.), em 52% de animais.
Não se acrescenta o custo de oportunidade. |
11d x 1,6€/d = 17,60€/vitelo com SRB
x 52 afetados/100 totais |
9,15€/animal no lote |
Custo total da SRB sem vacinação frente a pasteurellas |
|
59€/animal no lote |
As estimativas são provavelmente conservadoras, já que os custos como a mão-de-obra não estão incluídos, nem os custos de oportunidade, etc.
O custo total estimado da síndrome respiratória bovina em 100 vitelo vacinados unicamente frente a vírus, é de 5.900 €.
A importância das bactérias na SRB
A importância das bactérias dentro da SRB é evidente: até 95% dos surtos respiratórios nos quais se isolam vírus, estão também implicadas bactérias, sendo as mais frequentes as pasteurellas. Dentro delas, o papel da Pasteurella multocida na SRB não parece fácil de determinar. Embora se considere que em alguns casos têm um papel no desenvolvimento de lesões pulmonares, também é identificada frequentemente nos pulmões sem lesões visíveis. Contudo, quando falamos de Mannheimia haemolytica ou Histophilus somni, existe um maior consenso em que têm um papel protagonista no desenvolvimento da SRB e das lesões pulmonares.
Com as técnicas diagnósticas mais sensíveis, e na Europa, a M. haemolytica é detetada em mais de 40% dos casos e H. somni em cerca de 1 em cada 3 casos. Estes dados confirmam a importância de incluir ambos os agentes patogénicos nos nossos programas vacinais. Felizmente, há vacinas disponíveis no mercado que podem reduzir o impacto da pneumonia bacteriana com implicação destes agentes. Estas vacinas demonstram reduzir em pelo menos 50% os sintomas clínicos e as lesões pulmonares provocadas por estas pasteurellas, para além de diminuir o uso de antibióticos em 80%. Tal facto reveste-se de grande importância, não só pelo custo do tratamento e da mão-de-obra, como por contribuir para a redução do uso de antibióticos e na luta contra a resistência aos mesmos.
Animal saudável
Conclusões
Com tudo o que foi exposto, incluir o uso de vacinas virais em conjunto com a vacinação frente a pasteurelas nos programas vacinais, pode-se justificar tanto do ponto de vista do bem-estar animal, como pela redução do uso de antibióticos, como ainda pensando no retorno económico deste investimento.
Dada à extensa bibliografia utilizada para a redação deste artigo, as referências não foram incluídas no texto. Caso o leitor pretenda obter informação suplementar, pode realizar a sua consulta à autora através do seguinte endereço de email deolinda.silva@hipra.com.